A primeira é a genética e, sendo assim, já trazemos características físicas e psicológicas, bem como traços familiares que vêm de longa data, desde o início do tempo. Recebemos essa mala já com um segundo de vida, como herança.
A segunda é a mala da educação recebida em casa. É uma mala vazia, que começa a se encher tão logo se passa, através de pais, irmãos, avós, primos, tios, babás e empregadas, a escutar: isso pode, aquilo não pode, é feio, é certo, “vou contar pra sua mãe”, não se misture, não se esqueça que você é um Del Pratti, família nobre, comporte-se, ganhe dinheiro, seja alguém – “Ô mundo cão”, seja generoso, deixe de ser bobo, coitadinho do seu pai, menino! Vai me matar do coração, quero ter orgulho de você, etc., etc.. Enfim, essa é a mala das culpas, dos medos, das chantagens, da opressão, do ciúme, dos bons e maus exemplos, dos bons e maus modelos, da cultura e aquisição familiar.
A terceira mala é o ambiente sócio-político-econômico cultural em que foi criado. Constitui aquisições tiradas do meio ambiente. Nessa mala, se alguém veio de uma pequena cidade rural, seus valores são diametralmente opostos aos daqueles que vieram do Rio de Janeiro ou São Paulo, ou ainda se se é nordestino ou gaúcho, espírita ou crente, “socialite” ou novo rico, empresário ou operário, estrangeiro ou nativo. Se é jovem e revolucionário ou idoso e conservador, É um amontoado de preconceitos, dogmas, regras loucas e insanas “odeio pobre, urgl”, “não agüento preto”, “nada mais antipático que novo-rico”, e crente? Ichl”, cabeça chata”. Que mala complicada, lotada de antipatias, aversões, “verdades”, críticas, “também olha o origem dele, nem tem pedigree”, frescuras, embora possam trazer cultura, sabedoria, boas lembranças, sensibilidades, emoções, inteligências, boas influências.
E a última – a mais pesada, a maior por sinal – é a mala da individualidade (mesmo do mesmo sangue, de mesma origem, mesmo pai, mesma cidade: “como você é diferente do seu irmão). Essa quarta mala é única, existem bilhões no mundo, nenhuma igual. Ela é de todo jeito: grande, pequena, vermelha, preta, fina, grossa, redonda, quadrada, etc.. É sua, e só sua: seu jeito, seu temperamento, sua personalidade, sua alma é a mais importante, pois ela é seu código, sua contribuição (boa, mediana ou ruim) para o mundo; sua senha para a eternidade. Por isso, não se esqueça: jamais abra mão dessa mala, seja no casamento, no trabalho, na família, na sociedade.
Pois bem, “pombos” (ué? Já não são mais pombinhos), antes de casar era uma maravilha: cada um tinha um armário de quatro divisões, onde cabiam as 4 malas, tudo arrumado, ex.: para os perfeccionistas (naturalmente obsessivos, organizados, detalhistas, hiperativos e autoritários) ou desarrumado, ex.: para os bagunceiros (normalmente preguiçosos , artistas, desorganizados, proteladores e acomodados). Cada qual, após as brigas e discussões inevitáveis dos “pólos opostos”, voltava para seu próprio armário; seu próprio ninho. Por falar nisso, já viram como a gente adora casar com nosso avesso? Perfeccionista com desorganizado, esportista com preguiçoso, fumante com não fumante, tímido com extrovertido, caseiro com sociável, urbano com ecologista, ex-rico e nobre com ex-pobre e novo rico, médico psiquiatra com psicólogo (opsi!), tecnofílico com tecnofóbico, artista (após se separar 10 vezes de outros artistas) com empresário, romântico com pragmático: e agora querem viver juntos, e despercebidos de que ninguém nos treina para as diferenças e raras semelhanças contidas nas 4 malas que cada um carrega na vida. Assim, num belo dia, os “pombos” (ainda não depenados e cozidos) resolvem ir para um mesmo ninho (diferente dos ninhos anteriores de cada um, é bom que se diga). Esquecidos de que agora são 8 malas, um só armário de quatro divisões.
- Claudionor, quer tirar suas tralhas, que no armário não cabe tudo.
- Ô vaninha, se arredar um pouco ...
- Eu quero lá misturar cueca com sutiã, batom com espuma de barba, camisa do Flamengo com meu Pierre Cardin, água-velva com meu Herrera? Vá se danar; Claudionor.
- Mas, querida, cabe um pouco na despensa.
- Nem morta! Esse armário é meu, e você que se vire.
- Mas, florzinha, é só um tempo.
- Nem dois!
- Esquece isso e vem fazer amor, Vaninha
- Nem pensar, antes tenho que passar meus cremes, aplicar meu permanente, depilar, fazer limpeza de pele ... E você. Claudionor, não vai se lavar antes? Imagino aonde essa mão já não passou. Calça que usou na rua, em cima do meu “virol novinho”.
- Mas, santa, é nossa primeira noite juntos, antes não tinha nada disso.
- Se liga, Claudionor, que aqui já não é a casa da sogra, não, viu?
Essa história de mala, hein? Pera ai, quer separar? Não, não. Antes leia o capitulo final, é só uma questão de adaptação, respeito, afeto, amor ...
- Claudionooooor! Fez xixi na tampa da privada outra vez?! Pode limpar com pinho-sol e luvinhas, e não me toca até “desinfetar suas patinhas”.
Lar, doce lar!
Calma, quando nascerem os filhos, melhora (a Vaninha vai ter mais gente para xingar, psiu!).
Sim, existem casamentos harmoniosos: perfeccionista com perfeccionista, fumante com fumante, autoritário com submisso. Uma pena que isso não seja bem casar, é meio empobrecedor; isso é, sim, uma parceria de dois, onde continuamos a ser o que já éramos -
O quê? Casados há 30 anos e nunca brigaram? Fazem sexo duas vezes por semana? Dão beijinho na boca todo dia? Posso tirar uma foto? É que sou pescador e, se eu contar lá na turma, ninguém acredita! Além do mais, eu queria mostrar pros meus futuros netos, pois, do jeito que a coisa anda, vocês correm mo risco de ser extintos!
Mas resta a esperança de que, ao casar, nesse “novo ninho”, “novo armário”, o casal tenha maturidade de compreender que duas malas têm que caber em duas das quatro divisões: as malas da individualidade, que devem ser respeitadas e preservadas. Ai serão apenas mais duas divisões para seis malas ( a da herança genética, da educação familiar e a do meio cultural-sócio-econômico de cada um ). Nessa hora, vai ter que haver concessão, frustração, generosidade, vontade de dar certo, companheirismo, amizade, amor. Enfim, ingredientes fundamentais onde houver desunião, desarmonia, imaturidade. E como diria o filme “Da vida nada se leva” – a não ser a energia da alma de quem evolui o suficiente para respeitar o “outro” (qualquer que seja esse outro: filho, sócio, irmão, colega de trabalho, semelhante, etc..).
Livro Eduardo Aquino: PEQUENO MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA NA SELVA DAS GRANDES e também médias e pequenas CIDADES (4ª edição – Belo Horizonte/2000).
A segunda é a mala da educação recebida em casa. É uma mala vazia, que começa a se encher tão logo se passa, através de pais, irmãos, avós, primos, tios, babás e empregadas, a escutar: isso pode, aquilo não pode, é feio, é certo, “vou contar pra sua mãe”, não se misture, não se esqueça que você é um Del Pratti, família nobre, comporte-se, ganhe dinheiro, seja alguém – “Ô mundo cão”, seja generoso, deixe de ser bobo, coitadinho do seu pai, menino! Vai me matar do coração, quero ter orgulho de você, etc., etc.. Enfim, essa é a mala das culpas, dos medos, das chantagens, da opressão, do ciúme, dos bons e maus exemplos, dos bons e maus modelos, da cultura e aquisição familiar.
A terceira mala é o ambiente sócio-político-econômico cultural em que foi criado. Constitui aquisições tiradas do meio ambiente. Nessa mala, se alguém veio de uma pequena cidade rural, seus valores são diametralmente opostos aos daqueles que vieram do Rio de Janeiro ou São Paulo, ou ainda se se é nordestino ou gaúcho, espírita ou crente, “socialite” ou novo rico, empresário ou operário, estrangeiro ou nativo. Se é jovem e revolucionário ou idoso e conservador, É um amontoado de preconceitos, dogmas, regras loucas e insanas “odeio pobre, urgl”, “não agüento preto”, “nada mais antipático que novo-rico”, e crente? Ichl”, cabeça chata”. Que mala complicada, lotada de antipatias, aversões, “verdades”, críticas, “também olha o origem dele, nem tem pedigree”, frescuras, embora possam trazer cultura, sabedoria, boas lembranças, sensibilidades, emoções, inteligências, boas influências.
E a última – a mais pesada, a maior por sinal – é a mala da individualidade (mesmo do mesmo sangue, de mesma origem, mesmo pai, mesma cidade: “como você é diferente do seu irmão). Essa quarta mala é única, existem bilhões no mundo, nenhuma igual. Ela é de todo jeito: grande, pequena, vermelha, preta, fina, grossa, redonda, quadrada, etc.. É sua, e só sua: seu jeito, seu temperamento, sua personalidade, sua alma é a mais importante, pois ela é seu código, sua contribuição (boa, mediana ou ruim) para o mundo; sua senha para a eternidade. Por isso, não se esqueça: jamais abra mão dessa mala, seja no casamento, no trabalho, na família, na sociedade.
Pois bem, “pombos” (ué? Já não são mais pombinhos), antes de casar era uma maravilha: cada um tinha um armário de quatro divisões, onde cabiam as 4 malas, tudo arrumado, ex.: para os perfeccionistas (naturalmente obsessivos, organizados, detalhistas, hiperativos e autoritários) ou desarrumado, ex.: para os bagunceiros (normalmente preguiçosos , artistas, desorganizados, proteladores e acomodados). Cada qual, após as brigas e discussões inevitáveis dos “pólos opostos”, voltava para seu próprio armário; seu próprio ninho. Por falar nisso, já viram como a gente adora casar com nosso avesso? Perfeccionista com desorganizado, esportista com preguiçoso, fumante com não fumante, tímido com extrovertido, caseiro com sociável, urbano com ecologista, ex-rico e nobre com ex-pobre e novo rico, médico psiquiatra com psicólogo (opsi!), tecnofílico com tecnofóbico, artista (após se separar 10 vezes de outros artistas) com empresário, romântico com pragmático: e agora querem viver juntos, e despercebidos de que ninguém nos treina para as diferenças e raras semelhanças contidas nas 4 malas que cada um carrega na vida. Assim, num belo dia, os “pombos” (ainda não depenados e cozidos) resolvem ir para um mesmo ninho (diferente dos ninhos anteriores de cada um, é bom que se diga). Esquecidos de que agora são 8 malas, um só armário de quatro divisões.
- Claudionor, quer tirar suas tralhas, que no armário não cabe tudo.
- Ô vaninha, se arredar um pouco ...
- Eu quero lá misturar cueca com sutiã, batom com espuma de barba, camisa do Flamengo com meu Pierre Cardin, água-velva com meu Herrera? Vá se danar; Claudionor.
- Mas, querida, cabe um pouco na despensa.
- Nem morta! Esse armário é meu, e você que se vire.
- Mas, florzinha, é só um tempo.
- Nem dois!
- Esquece isso e vem fazer amor, Vaninha
- Nem pensar, antes tenho que passar meus cremes, aplicar meu permanente, depilar, fazer limpeza de pele ... E você. Claudionor, não vai se lavar antes? Imagino aonde essa mão já não passou. Calça que usou na rua, em cima do meu “virol novinho”.
- Mas, santa, é nossa primeira noite juntos, antes não tinha nada disso.
- Se liga, Claudionor, que aqui já não é a casa da sogra, não, viu?
Essa história de mala, hein? Pera ai, quer separar? Não, não. Antes leia o capitulo final, é só uma questão de adaptação, respeito, afeto, amor ...
- Claudionooooor! Fez xixi na tampa da privada outra vez?! Pode limpar com pinho-sol e luvinhas, e não me toca até “desinfetar suas patinhas”.
Lar, doce lar!
Calma, quando nascerem os filhos, melhora (a Vaninha vai ter mais gente para xingar, psiu!).
Sim, existem casamentos harmoniosos: perfeccionista com perfeccionista, fumante com fumante, autoritário com submisso. Uma pena que isso não seja bem casar, é meio empobrecedor; isso é, sim, uma parceria de dois, onde continuamos a ser o que já éramos -
O quê? Casados há 30 anos e nunca brigaram? Fazem sexo duas vezes por semana? Dão beijinho na boca todo dia? Posso tirar uma foto? É que sou pescador e, se eu contar lá na turma, ninguém acredita! Além do mais, eu queria mostrar pros meus futuros netos, pois, do jeito que a coisa anda, vocês correm mo risco de ser extintos!
Mas resta a esperança de que, ao casar, nesse “novo ninho”, “novo armário”, o casal tenha maturidade de compreender que duas malas têm que caber em duas das quatro divisões: as malas da individualidade, que devem ser respeitadas e preservadas. Ai serão apenas mais duas divisões para seis malas ( a da herança genética, da educação familiar e a do meio cultural-sócio-econômico de cada um ). Nessa hora, vai ter que haver concessão, frustração, generosidade, vontade de dar certo, companheirismo, amizade, amor. Enfim, ingredientes fundamentais onde houver desunião, desarmonia, imaturidade. E como diria o filme “Da vida nada se leva” – a não ser a energia da alma de quem evolui o suficiente para respeitar o “outro” (qualquer que seja esse outro: filho, sócio, irmão, colega de trabalho, semelhante, etc..).
Livro Eduardo Aquino: PEQUENO MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA NA SELVA DAS GRANDES e também médias e pequenas CIDADES (4ª edição – Belo Horizonte/2000).
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