quinta-feira, 1 de abril de 2010

CAPÍTULO III: XARÁ, O DOIDÃO



Que começou na maconha e terminou no pó

Continuação


No dia seguinte, Ricardo foi à casa do Jofre, logo cedo, pedir desculpas aos pais. Muito sem jeito, apresentou-se:
- Meu nome é Ricardo, sou professor de Educação Física e dono da academia que a moçada freqüenta. Vim aqui porque quase não consegui dormir pelo problema que houve ontem à noite.
O pai não entendeu nada e disse:
- Que problema?
- Ah! O senhor não ficou sabendo?
- Não! O Jofre chegou tarde, como sempre, e não falou nada. O que houve?
- A reunião de ontem. Era para ser uma festa muito animada, mas infelizmente o Xará parecia estar alterado e provocou o maior tumulto.
- Com certeza usou droga. Lamentavelmente, está fumando maconha e já me disseram que está usando também xaropes e comprimidos. Não temos o menor controle sobre ele.
- Por isso queria pedir desculpas aos senhores. O Xará tentou mexer com uma colega nossa e me senti no dever de defendê-la. Acabei brigando com ele. Queria conversar, mas ele me agrediu e acertei-lhe um soco ao me defender.Sem querer, acabei ferindo-lhe o olho esquerdo e o nariz. Fiquei superchateado com isso e vim pedir desculpas.
- Nós é que devemos pedir desculpas e agradecer pelo seu senso de responsabilidade, pela sua boa educação. Só não sei se vale a pena. Apesar de sermos pais, cada dia nos entristecemos mais com o Jofre. Ele é um rapaz egoísta, só pensa em si. Acha-se o melhor, o dono do mundo.
- Verdade. Ele nunca admite que erra e não aceita conselho de ninguém.
- Está andando com as piores companhias e não consegue mais nenhum rendimento na escola. O pior é que encontra meninas sem cabeça que o admiram. Com isso, também se sente o todo-poderoso. Realmente, ficamos muito chateados, mas é bom saber que há pessoas como você e gostariam de ajudá-lo. Pois ele mesmo não se ajuda! Já tentamos de tudo: terapia e até internação. Mas ele não colabora e não assume tratamento nenhum.
- E ele é tão jovem! Dezesseis, dezessete anos é idade em que as pessoas acham que podem tudo. Ás vezes, acabam entrando nessas confusões: bebidas, drogas, sexo sem controle ... É pena que esses meninos não compreendam o que seja aproveitar a vida de verdade. Mas, de qualquer jeito, se o senhor me permite, vou esperar o Xará acordar.
- Pode ficar à vontade. Só que ele não tem hora de levantar. Anda trocando o dia pela noite e não há limites ou lei que ele respeite.
- Precisamos conversar. Isso nunca aconteceu e me aborreceu muito. Agredir alguém é muito ruim. Parece que ele ficou muito chateado. Até me ameaçou. Temos de conversar, de nos entender. Gostaria de ficar aguardando. Não gosto de deixar as coisas desse jeito. Se o senhor não se incomodar ...
- Absolutamente., Ricardo! Fique à vontade. Há umas revistas e um jornal na mesinha. Se você quiser, pode também ligar a televisão.
- Muito obrigado! Desculpe pelo ocorrido. Imagino o quanto o senhor tenta ajudá-lo. Sei como é difícil recuperar dependentes químicos.
- Tenho quatro filhos. Os outros três nos dão muita alegria, como você também deve dar a seus pais. Mas, confesso, o Jofre é um peso em nossa vida.
- Sou filho único. Lá em casa também sempre houve muito diálogo. Pena que o Xará tenha a cabeça tão vazia! Ele é jovem, inteligente ... Poderia trilhar outro caminho, não acha?
- Já procuramos todas as formas de ajuda, mas as drogas acabam com as pessoas. E, como a influência das más companhias, o usuário vai sofrendo uma deformação da personalidade. É o que está acontecendo com o Jofre. Está se tornando uma pessoa de mau-caráter. Nem parece que é nosso filho ...
- Deve ser duro para os pais terem de conviver com isso.
- Você nem imagina a nossa luta! Temos de pôr limites. Defender o lado bom da família. Afinal de contas, somos seis pessoas, das quais cinco batalham para sobreviver. Os outros filhos vão muito bem. Mas a vida é isto: ter boas e más experiências e aprender com todas elas.
- E isso exige, na maioria das vezes, verdadeiros malabarismos, além de muita fé e sabedoria.
- Tenho orientado os outros para que compreendam as atitudes estranhas do irmão. Se não for possível amizade, pelo menos que respeitem as diferenças de postura de cada um diante da vida. Temos até feito terapia familiar e freqüentado palestras.
- Ainda bem que o senhor e D. Maria José não têm motivos para remorso. Vêm tentando tudo que é possível!
- Mas ele mesmo não aceita nenhum tratamento. Anda mentindo muito e tirando coisas de casa para vender e comprar drogas. O único remédio é procurar entender a fundo esse drama e aprender a conviver com ele.
- O Xará ainda tem a sorte de ter pais tão compreensivos ...
- Aprendemos em nossa terapia que, por trás de um drogado, existe, sempre um ser insatisfeito consigo mesmo, imaturo, em busca de respostas para as suas angústias e ansiedades. E, ainda, todo viciado em droga, seja ela qual for, tem, na verdade, tendência à depressão, a fobias, apresentando muitos problemas sérios de timidez. Usa, então, a droga como artifício para relaxar, dormir e desinibir-se – disse D. Maria José, muito silenciosa até aquele momento.
- É verdade! Só que esquecem que estão mergulhando num poço sem fundo – concluiu o marido.
- Sem dúvida! Na minha experiência lá na academia, descobri que os jovens começam a usar drogas, principalmente maconha, porque têm alguma dificuldade psíquica, social ou afetiva.
- De fato, há alguns jovens que são mesmo muito complicados.
- Já pude observar três grupos: no primeiro, eles experimentam por curiosidade ou só de vez em quando. Dizem que é só para aumentar suas “sensações e percepções artísticas”. São ingênuos e julgam que não vão tornar-se dependentes. Justificam que faz menos mal do que cigarro e bebida. Ao segundo pertencem aqueles que nunca se interessaram, não querem experimentar nem por curiosidade. E o terceiro é o daqueles que, cada vez, vão usando mais. Associam a droga à bebida, acabam usando outras mais fortes e terminam tendo problemas até com a polícia.
- Como você é bem informado!
- Na academia, lido com jovens de todo tipo. E, além de ser licenciado em Educação Física, estou quase me formando em Biologia também. Na faculdade pesquisamos sobre esse tema, que é um dos mais graves hoje. Temos tentado ajudar não só o Xará, mas os colegas dele também.
- Já ouvi boas referências a esse trabalho que você vem realizando.
Parabéns!
- Há também um grupo de jovens, o senhor deve conhecer, que mexe com aquele movimento da Igreja e já tentaram levá-los, aos Narcóticos Anônimos. Muita gente tenta ajudar, mas eles resistem e não dão a menor importância. O Xará, por exemplo, já namorou moças fantásticas, que tentaram ajudá-lo, mas acabaram desistindo porque percebem que ele é ainda muito imaturo. Acabam se afastando, embora sua aparência chame atenção. Mas ultimamente ele está muito magro, o senhor não acha?
- Também pudera! Só chega de madrugada, não se alimenta direito. Troca o dia pela noite. Já falei, tentei apelar para sua vaidade, dizendo:
“Olhe, filho, você que é tão bonito deve se cuidar, pelo menos na parte física. Será que isso não é suficiente para você mudar de vida?”. Mas, confesso, não adiantou. Não temos uma situação financeira boa para tentar outras formas de tratamento mais eficientes.
- Nada até hoje deu certo para o Jofre – concluiu a mãe.
- Dói perceber o sofrimento dos senhores, que tudo fazem para a recuperação do Xará. A função dos pais é tentar dar apoio. Mas cada um traça o seu próprio caminho, faz a sua opção. Decidir pelo bem ou pelo mal é uma determinação de cada um. É uma escolha pessoal.
- Só que a decisão do Jofre foi, infelizmente, para o mal. É lamentável a sua escolha! – disse o Sr. Euclides, quase engasgado.
- Vocês não devem se sentir culpados pelas chantagens emocionais do Xará. Ele vive reclamando de tudo e de todos: da família, do colégio, dos amigos ... Fala mal dos professores, das meninas. Enfim, para ele o mundo está todo errado, só ele está certo. E, o senhor sabe, isso é típico de pessoas imaturas. Elas nunca erram.
- Verdade. Nosso filho se julga o dono da verdade.



Livro Eduardo Aquino: XARÁ, O DOIDÃO
Que começou na maconha e terminou no pó
2ª Edição – Belo Horizonte /2000

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