sexta-feira, 9 de abril de 2010

“Na educação de hoje, muitas vezes os pais estão abrindo mão de seu papel de educadores para repassá-lo à escola”

Reprodução da Entrevista Dr. Eduardo Andrade Aquino para a Entidade AMAE – (Associação Mineira de Ação Educacional)Educando nº 246 – Setembro de 1994.


AMAE – Como você define uma família bem estruturada?

Eduardo Aquino – Essa é uma família que se relaciona. Hoje o maior problema de uma família desestruturada é ausência de relacionamento. E o principal motivo dessa ausência de relação é a falta de tempo que tem caracterizado a vida moderna. Além disso, é importante perceber que, na família bem-estruturada, o processo de educação acontece muito mais no aspecto do exemplo, da linguagem não-verbal.

AMAE – Você tem visto muitas famílias assim?

Eduardo Aquino – Na educação de hoje, muitas vezes os pais estão abrindo mão de seu papel de educadores para repassá-lo à escola. Está havendo uma certa acomodação nesse aspecto. Além disso, a família está abrindo mão de um divertimento conjunto em nome da televisão, dos brinquedos eletrônicos. Eu vejo dois grandes problemas na família moderna: a família não se reúne e, hoje em dia, os pais tendem à acomodação porque têm que lidar com a falta de tempo.

AMAE – Quais as conseqüências dessa situação para o ser humano?

Eduardo Aquino – Aquela teoria antiga, que acreditava que a relação entre pais e filhos é que seria responsável por alterações de comportamento, depressão e fobias, já caiu por terra.Hoje sabemos que o próprio ser carrega dentro de si tendências que são inatas. Mas o meio ambiente e a família, em particular, podem atenuar ou acentuar determinadas tendências.

AMAE – Então, não cabe a família o papel de responsável pela formação de um ser sadio psicologicamente?

Eduardo Aquino – A família é um instrumento, mas não é necessariamente o fator causal dos problemas no psiquismo humano. Quantas vezes não vemos uma família em que pai e mãe são desestruturados e os filhos vão bem na vida? Pode acontecer também o contrário, e ambas as situações demonstram que o meio ambiente é importante, mas não determinante.

AMAE – No mundo de hoje, os pais ainda precisam ter disponibilidade para acompanhar a vida dos filhos?

Eduardo Aquino – Mais que necessário, isso é fundamental. Não tanto a disponibilidade de tempo mas, sobretudo, a sua qualidade. A criança, desde a mais tenra idade, começa a se relacionar com o meio que a cerca. E essa criança tem um tempo que o adulto não tem, pois ela observa. E é exatamente na observação do meio que a cerca que a criança está aprendendo. É um erro do adulto acreditar que a educação é meramente uma questão formal. O adulto ensina a partir do momento em que pratica uma vida saudável. As atitudes do dia a dia já são uma forma de educação. Quando há disponibilidade, ainda que qualitativa, tanto melhor.

AMAE – Quais as reais necessidades dos filhos no mundo moderno?

Eduardo Aquino – O grande problema está, sobretudo, na área afetiva. O afeto é uma das questões de sustentação da criança em relação aos pais. A criança tem necessidade de proximidade, de atenção. Se um pai é viciado no trabalho, a criança não tem referencia de uma figura masculina e, por isso, a tendência é de uma insegurança maior, que hoje passa despercebida mas, na adolescência, pode se transformar em alguns sintomas, como stress, depressão e fobias. O pai não deve estar ali só para pagar as contas e gerar conforto.

AMAE – O que se pode aprender de mais valioso numa atmosfera familiar, onde o afeto seja um valor imprescindível?

Eduardo Aquino – Ambientes familiares saudáveis também significam meio caminho andado para um caminho de felicidade pessoal de um membro daquela família.

AMAE – Quais são as outras responsabilidades da família, hoje?

Eduardo Aquino – A família talvez seja a maior célula de uma ambiente comunitário. Ela vai, inclusive, reproduzir em si mesma as questões ligadas a toda a sociedade, ou seja, a competição, a inveja, a cobrança, a vigilância sobre o outro. Então a família deveria ser um protótipo para que aprendêssemos a viver socialmente, exercer uma relação onde houvesse respeito, inclusive na compreensão das diferenças. A essência da formação da sociedade começa na formação familiar.

AMAE– Qual é, então, a maior contribuição que a família pode dar à sociedade?

Eduardo Aquino – Antigamente as regras na família eram muito rígidas e estratificadas. Depois esses valores foram renegados e aconteceu exatamente o contrário: casamentos muitos abertos e separações muito freqüentes, além de liberalidade exagerada na educação dos filhos. Estamos em busca de uma terceira situação, ou um meio-termo. São mudanças procuradas também na área econômica, social e política. Tenho para mim que é dentro do processo da família que a sociedade muda num aspecto macroscópico. É na família que essa revolução está se operando. E tenho também notícias boas: vejo que algumas famílias jovens, adolescentes e crianças estão com novos valores, preocupados com a ecologia e com uma relação familiar mais saudável. O mundo está numa fase critica em todos os aspectos, mas já estão surgindo uma nova geração de idéias e de famílias.

AMAE – O que ainda não vai bem na família?

Eduardo Aquino – Um dos grandes problemas da família moderna é o sistema competitivo, uma imaturidade geral. Defino como imaturidade, por exemplo, o egoísmo, o egocentrismo, um compromisso de êxito alto, o temor do fracasso ou frustração, a necessidade de ser reconhecido, o excesso de competitividade, os jogos de culpa e de ciúme. Quantas vezes a educação não se faz em cima dos jogos de culpa, por exemplo? Enquanto formos seres imaturos, seremos incapazes de educar.

AMAE – Que outros valores os pais devem cultivar para serem bem-sucedidos na sua função educadora?

Eduardo Aquino – Só serão bons educadores, sejam pedagogos ou pais, aquelas pessoas que estiverem bem pessoalmente. O que noto hoje em dia é uma imaturidade muito grande dos pais e dos próprios pedagogos para lidar com a criança, que está muito mais informada e rebelde. É importante perceber que nós teríamos que começar a ensinar alguém, à medida em que nós próprios adquiríssemos esses ensinamentos. Tenho visto adultos pessimamente informados, com inibições afetivas muito grandes. Tenho para mim que os melhores educadores são aqueles que estão bem individualmente. Pressupõe-se que, para eu educar alguém, eu próprio esteja educado.

AMAE – Essa dificuldade de educar é responsável pela difícil situação que estamos vivenciando no mundo?

Eduardo Aquino – Estamos vivendo um período crítico. Há cem anos, uma em cada cem pessoas estava sujeita a depressões e ansiedades. Hoje, 48% dos indivíduos estão sujeitos a isso. Este é um mundo que está rápido, insatisfatório, que é moderno, mas conta com pouca sabedoria. Somos muito pouco sábios, somos avançados tecnologicamente, temos conforto, mas não temos padrão de vida. A conseqüência disso é agressividade, hostilidade, negatividade...
A minha proposta é psicopedagógica, preventiva. Só poderemos ter uma humanidade feliz quando começarmos a trabalhar preventivamente, conceituando as coisas, voltando a ter mais tempo, melhorando a qualidade de vida. Isso começa com o adulto e não com a criança.

AMAE – Como você vê a relação entre a escola e a família, da maneira como está estruturada na atualidade?

Eduardo Aquino – Esses papéis estão muito confusos. Tenho visto que a escola tem tido uma série de dificuldades, não com o aspecto pedagógico, mas com o aspecto da formação do aluno. Enquanto não entendermos que, mais de um psicólogo ou orientador dentro do colégio, o que é necessário é que haja tempo e espaço para debater vida com esses jovens, tal qual se ensina Matemática., Português e Química. Eles devem se colocar e debater temas que, muitas vezes, não são abordados em casa. Desse modo, a família vai vendo a escola como compensação do seu pouco tempo e a dificuldade em lidar com seus filhos, assim como a escola, muitas vezes, está desnorteada sobre o que fazer em um pouco processo que muitas vezes nem é pedagógico. A escola está tendo que cumprir determinadas tarefas para as quais está despreparada. Portanto, a relação entre pais e escola deve ser de complementação. Não é justo que a escola traga para si uma responsabilidade que não é dela, assim como também não é justo que os pais, muitas vezes, tenham que preencher lacunas pedagógicas. Pais e escola devem atuar em conjunto.



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